6 princípios que a escola e os pais devem ensinar às crianças
Responsabilidade, autonomia, altruísmo e gratidão são algumas noções fundamentais para garantir que as crianças saibam se colocar no futuro que as espera de maneira a conseguir transformá-lo.
Muito se repete que as pessoas se preocupam demais em deixar um mundo melhor para os filhos e se esquecem de deixar filhos melhores para o mundo. Provavelmente, não é o seu caso. Não deveria ser o de nenhuma mãe ou nenhum pai. Afinal, quem construirá uma sociedade melhor se não aqueles que a compõem? E, em um futuro nem tão distante, serão justamente as nossas crianças esses construtores. Para que cumpram bem a função, cabe a nós ensinar a elas princípios como responsabilidade, capacidade de se colocar no lugar dos outros e autonomia. A missão exige uma aliança ampla e irrestrita.
“Antigamente, cobrava-se que a escola passasse às crianças apenas competências técnicas, enquanto a família ficava com os valores e as questões de afetividade. Só que, cada vez mais, pai e mãe têm que trabalhar muito para dar conta da sobrevivência, e seus filhos acabam ficando grande parte do tempo na escola. Portanto, mais do que nunca, a tarefa precisa ser conjunta”, observa o psiquiatra Augusto Cury, que está lançando o livro Pais Inteligentes Formam Sucessores, Não Herdeiros (Saraiva). Como fazer isso? No treino diário. “Ninguém constrói valores sem praticá-los. Só o discurso e o sermão não são suficientes. Além disso, a postura do adulto de referência tem que estar de acordo com o que se defende”, ressalta a educadora mineira Flávia Vivaldi, do Grupo de Estudo e Pesquisa em Educação Moral formado pelas universidades estaduais de Campinas (Unicamp) e de São Paulo (Unesp). A seguir, detalhamos seis atitudes que todos devem querer ver em seu filho. Aí é só dar o exemplo e incentivá-lo a praticar.
1. Ser responsável
A mãe e o pai chegam em casa exaustos de um dia de trabalho e, em vez de sentar para jantar e conversar com os filhos, começam uma interminável catação dos brinquedos que estão espalhados pela sala. Soa familiar? Embora à primeira vista pareça ser a atitude mais lógica a tomar, estamos falhando como pais quando fazemos esse tipo de coisa, alerta o psiquiatra Içami Tiba, de São Paulo, que acaba de lançar o livro Educação Familiar Presente e Futuro (Integrare). É que perdemos a chance de ensinar às crianças um dos primeiros grandes valores: responsabilidade. “Filhos não nascem folgados, são os pais que os fazem assim. Às vezes porque querem ter a casa em ordem, em outras por pressa, eles não se preocupam em ensinar organização. E nem falo de responsabilizar os filhos por cuidar do que é de todos, mas apenas do que é deles”, diz o especialista. “Crianças capazes de pegar o brinquedo da prateleira têm condições de guardá-lo de volta.” Aos poucos, esse ensinamento pode ser expandido para a arrumação da cama, do quarto até que a criança aprenda a cuidar do que está à sua volta. Na escola, em geral, a responsabilidade é cobrada em relação à entrega da lição, mas pode ir além também. “Há situações que estimulam esse princípio de forma mais completa. Por exemplo, delegando aos alunos pequenas responsabilidades na organização de atividades comuns, como a quadrilha da festa junina”, indica Flávia. Quando se compromete com esse tipo de tarefa, a garotada costuma cumprir o combinado, pois há um grupo esperando aquilo. “O jovem não quer romper o contrato feito com a turma.” Construir valores em situações significativas para a criança ou o adolescente é ainda mais efetivo.
2. Pensar e agir sem ajuda externa
É quase irresistível – e, de longe, pode até ser interpretado como maldade: a criança, sem saber como montar o brinquedo ou errando ao soletrar uma nova palavra, e os pais em volta olhando, mudos. Se você se vê na cena, antes de assumir a culpa, pare e pense no bem que fará ao seu filho se deixar que ele aprenda por conta própria. E até que erre sozinho – especialmente o exercício da lição de casa, que precisa ser corrigido pelo professor para que ele saiba as dificuldades de cada aluno e o que falta ser reforçado em sala. “Os pais, mais do que dar as soluções, devem perguntar: ‘O que você acha?’ Dar conhecimento pronto e respostas rápidas é uma forma de superproteção intelectual que promove, apenas, a lei do menor esforço. Bons educadores devem ser provocadores do raciocínio por meio da pergunta para que as crianças adquiram consciência crítica e saibam se colocar melhor no mundo”, recomenda Cury. Devolver a dúvida para o filho instiga a um desafio. Ele pode até reclamar de ter que resolver, mas, no fim, vai adorar perceber que consegue fazer aquilo sozinho. E, conforme for vencendo etapa após etapa, se sentirá fortalecido para confiar mais na própria capacidade, adquirindo cada vez mais autonomia. Os pais devem colocar na cabeça que eles não precisam ser úteis aos filhos o tempo todo. Ok, é difícil cortar esse cordão, uma vez que não queremos ver nosso pequeno tropeçando ou sofrendo no caminho. Mas só assim ele vai aprender realmente e conseguir se virar em situações difíceis, tanto agora quanto quando forem adultos – em um mundo que não economiza na distribuição de obstáculos.
3. Colocar-se no lugar do outro
Vivemos em um mundo cada vez mais individualista, em que mal sabemos quem é nosso vizinho, muito menos por quais dificuldades ele passa – assim, é muito mais fácil reclamar por ele ter largado as malas atrapalhando a entrada no hall comum do que oferecer ajuda, cogitando se ele está enfrentando algum problema, como perdeu ou esqueceu a chave de casa. Nós nos restringimos ao nosso universo (que pode se limitar à tela do celular), não vemos mais nada do que acontece ao nosso lado. Se nós, adultos, somos assim, como cobrar das crianças que aprendam a notar o que está em volta e, mais, colocar-se no lugar do amigo? Como mostrar que ninguém é pior por ter tido uma dificuldade em português ou ter errado o gol no jogo de futebol? E que pode, sim, ficar chateado ao ouvir os colegas rindo de suas falhas? “Os jovens de hoje são muito autocentrados. Eles pensam apenas no que diz respeito a eles e seus amigos ou familiares”, aponta Flávia, que é também coordenadora pedagógica da Escola Municipal Wilson Hedy Molinari, de Poços de Caldas (MG), considerada por especialistas em educação um exemplo no ensino de valores. “Para se colocar no lugar do outro, é preciso se exercitar. A escola deve criar situações para que o aluno pense nisso. Por exemplo, assembleias para discussão de questões do grupo, reuniões para construção de regras de convivência e trabalho comunitário.” Ouvindo os colegas, fica mais fácil entender que o outro é diferente e tem necessidades que também precisam ser atendidas. “Ter empatia é perceber as intenções do outro, se ele está feliz ou sofrendo, se aquela sua atitude vai prejudicá-lo ou não. E isso é fundamental na vida”, analisa Tiba.
4. Fazer por merecer
Não é uma situação rara: no aniversário do filho mais velho, os pais bem-intencionados compram também uma lembrança para o caçula – o coitadinho ia ficar só vendo o irmão com brinquedos novos? “Um filho que faz aniversário merece, pela data, ganhar presente. O outro tem de aprender que o aniversário não é dele e pronto, vai ficar bem. Mas os pais viciam os dois a receber sempre”, alerta Tiba. “Da mesma forma, criou-se o costume de dar um carro para o jovem que faz 18 anos. Que esforço ele fez para ganhar essa recompensa?”, pergunta o expert. Ao premiar sem mérito, corremos o risco de criar uma geração de mimados que não sabe o valor do empenho e vai cobrar, lá na frente, que a promoção recebida pelo colega de trabalho seja estendida a ele também. Ou, então, não vai saber lidar com a frustração de não ter sido agraciado. É a postura do “herdeiro”, que vive de mesada, sem suor próprio, e só gasta o legado recebido – muito diferente da atitude do sucessor, que se preocupa em multiplicar e expandir o que ganhou porque entende o valor que aquilo embute. Flávia, entretanto, atenta para um cuidado que a questão exige no meio escolar: “Reconhecimento pelo esforço é uma coisa, premiar grandes resultados é outra. Existe uma tendência nas escolas de dar destaque ao aluno que se sai bem em determinada matéria. Como mostrar a importância do conhecimento para aquele que nunca conseguiu chegar em primeiro? Isso desestimula”, questiona. E diz: “Acaba-se sempre trabalhando o fim, não o meio”. Por isso, ela recomenda uma avaliação do processo e ensinar o aluno a ver e comparar como estava no início e aonde chegou. Assim, fica mais clara a evolução – que, aí sim, pode ser premiada.
5. Sentir e mostrar gratidão
A questão tem sido debatida à exaustão: os pais, com pouco tempo (e muita culpa), atolam as crianças com presentes e tudo que elas desejam. Os filhos, por seu lado, exigem cada vez mais. “No passado, os pais erravam sendo autoritários. Atualmente, erram sendo permissivos e ausentes. Se antes diziam ‘não’ constantemente, agora, com raras exceções, se deixam explorar por filhos bombardeados por uma indústria que estimula o consumo desenfreado”, avalia Cury. Por isso, é urgente ensinar às crianças e aos adolescentes a importância da gratidão. Do ato de olhar no olho do convidado que chega para a festinha de aniversário e, no lugar de já ir perguntando “Trouxe o que de presente?”, agradecer pela presença, pelo abraço e, por fim, pelo pacote que ele oferece – seja o que for que tiver dentro, pois demonstra que ele pensou em você. Não basta apenas um “obrigado” educado – é preciso ter um sentimento sincero. “Hoje, tudo é tão rápido e descartável que os jovens nem vivem a expectativa do desejo, são atendidos imediatamente. Por isso, a gratidão fica no esquecimento”, diz Flávia. Para construí-la, é preciso retomar lá de trás as tais palavrinhas mágicas ensinadas aos menores (por favor e obrigado). “Não há caminhos que não a prática e o exemplo – o próprio professor tem que estar atento para agradecer quando um aluno pega sua caneta do chão”, explica ela. O estímulo continua na proposta de trabalho em dupla ou em grupo, momento em que o aluno pode perceber a utilidade do auxílio prestado pelo amigo e ficar sinceramente grato a ele.
6. Saber lidar com as próprias emoções
De maneira geral, transmitir um conteúdo técnico, como uma regra de gramática ou uma fórmula de matemática, é até mais simples do que lidar com as fragilidades emocionais e sociais. Tanto as dos adultos como as das crianças. Nada mais natural, portanto, que os pais, com cada vez menos tempo para dedicar à família, negligenciem essa área, formando crianças menos preparadas a administrar seus medos, suas expectativas e frustrações. “Pais que são manuais de regras sobre o certo e o errado estão aptos a lidar com máquinas, não a formar mentes brilhantes. Grande parte deles nunca dialogou com os filhos sobre suas emoções”, aponta Cury. Agora, se é assim em casa, o que dirá no ambiente escolar, acostumado a entupir os alunos de informações e conceitos. Pensando nisso, algumas instituições têm incorporado dinâmicas para facilitar esses cuidados. O Colégio Singular, no ABC paulista, por exemplo, adotou o método de Escola da Inteligência, criado por Cury. Com ele, são propostas atividades que facilitam as percepções emocionais – um exemplo é contar histórias em que os personagens vivem conflitos semelhantes aos das crianças. “O professor cultiva um ambiente em que o aluno sente que está sendo entendido e consegue ver uma saída para as próprias frustrações”, conta a diretora, Rosanella Gambogi. Mas para que o processo seja sedimentado é importante que a troca entre a escola e os pais se mantenha constante – por meio de reuniões e até grupos de estudo.
Fonte: educarparacrescer.abril.com.br